20 de setembro de 2012

‘Não tem um dia ainda que eu vá dormir sem pensar naquele jogo’

Prata em Londres, Bruninho diz que perda do ouro foi dolorosa e que atleta é meio doido


O levantador Bruninho na Lagoa, após um treino do RJX
Foto: Alexandre Cassiano
O levantador Bruninho na Lagoa, após um treino do RJXALEXANDRE CASSIANO
O GLOBO: Como foi voltar a morar na casa de seu pai depois de nove anos morando sozinho?
BRUNINHO: Vai fazer um mês que estou lá. Meu pai tirou duas semanas de férias, está viajando, eu estou meio cuidando das meninas (as irmãs, Vitória, de 2 anos, e Júlia, de 10). Por alguns dias não tem problema nenhum, a gente se dá muito bem fora da quadra. O que é difícil mesmo é que depois de nove anos morando sozinho, eu não conseguiria morar com meu pai, minha mãe de novo. Porque aí você já tem a sua privacidade. Eu tenho 26 anos, voltar a morar em casa agora é impossível, não tem como. No fim do mês, vou para o apartamento que aluguei aqui no Leblon.
As pessoas se referem mais a você como “o filho do Bernardinho”. Mas você também é filho da Vera Mossa, um ícone do vôlei feminino...
As pessoas falam “ah, você é filho do Bernardinho”, até porque ele está muito mais em evidência, então, a referência a ele acaba sendo muito maior. Mas quando falam “você é filho da Vera Mossa”, que foi uma precursora, um ícone da época, eu fico bastante orgulhoso. Eu não tenho tanta noção do que ela representou para uma geração porque eu vim depois, ela já estava saindo da seleção. Mas cheguei a ver alguns jogos dela quando comecei a gostar mesmo de vôlei em 1992, 1993. Ela foi uma grande jogadora.
Você chegou a falar que estava pensando em se transferir para a Itália, após sua experiência de 45 dias no Modena, no ano passado. O que mudou?
Quando acabou a Superliga para mim esse ano, os times ainda estavam disputando a competição e eu não tinha recebido nenhuma proposta de um time brasileiro. Então, eu estava amadurecendo a ideia de jogar uma temporada fora. E Modena foi um lugar que me recebeu muito bem. Em dois meses fiz muitos amigos, os torcedores me trataram como se eu estivesse lá há muito tempo, me botaram no hall da fama do time, então, eu me senti muito em casa. Mas, depois, quando o RJX foi desclassificado (na semifinal da Superliga), e houve um interesse da parte deles, comecei a ficar dividido. Também tem a crise econômica que está vivendo a Europa, a Itália principalmente, muitos times acabando, outros com problemas, tendo que reduzir orçamento, isso começou a me deixar preocupado. E além de tudo isso, eu comecei a apostar nesse projeto, que tem a cara do Rio, para, quem sabe, voltar aos áureos tempos dos anos 80, quando o Rio era uma referência no voleibol nacional.
Mas você adiou um sonho? Você tem vontade de jogar no exterior?
As pessoas falam “poxa, eu tenho o sonho de jogar fora do Brasil”, mas sinceramente não é um sonho para mim. Eu tenho vontade, é uma coisa que eu sei que uma hora pode acontecer, mas hoje a gente tem uma boa estrutura financeira aqui no Brasil, então, não é que precise ir para fora fazer o pé de meia e voltar. E eu sou um cara mais caseiro, no sentido de querer ficar no Brasil mesmo, de poder estar com minha família, meus amigos, ir à praia, fazer um churrasco, um almoço em família. São coisas que eu prezo bastante. Lá fora, você é muito mais sozinho e acho que eu sofreria mais durante uma temporada longa. Por isso, pelo menos por enquanto, prefiro adiar esse novo desafio, que daqui um tempo vou querer ter na minha carreira.
Quais as suas perspectivas no RJX?
Foi uma boa primeira temporada, chegar a uma semifinal. Mas querendo ou não, a gente sabe que as pessoas vão lembrar mesmo de quem vencer, quem conquistar títulos. Eu tive essas oportunidades de vencer em Florianópolis, e eu sei que quando você é segundo não é a mesma coisa; você só vai fazer história quando vencer, então, não tem como negar que o nosso grande objetivo aqui é vencer, apesar de todas as dificuldades, as grandes equipes que a gente vai enfrentar.
Você chegou com um status de a estrela do time. Como lida com isso?
Eu procuro sempre dividir. Entendo que, por ter sido o levantador titular da seleção esse ano, exista essa pressão, mas tem outros jogadores de muitas qualidades, também vencedores, como o Tiago Alves, o Lucão. Eu entendo que de repente eu seja uma referência um pouco acima deles, mas ali dentro da quadra todo mundo vai ter que se ajudar muito. Não vou ser eu que vou fazer a diferença. Em esportes coletivos, um jogador pode ganhar uma partida, quem sabe duas, mas o campeonato mesmo só o grupo pode vencer.
Você se mudou para o Rio após nove anos morando em Florianópolis. Ficou alguma coisa lá?
Eu tenho um apartamento montado lá, muitos amigos. É lógico que eu gostaria também de ter um lugar aqui no Rio, são as duas cidades com que sonhei na minha vida. Depois que fui para Florianópolis, eu dividi meu coração, hoje é metade Rio metade Florianópolis. Dois anos atrás eu recebi o título de cidadão honorário da cidade, são coisas que me fizeram me apaixonar ainda mais. E não quero me desfazer das coisas porque é uma cidade onde quero voltar, seja para passear ou, quem sabe, para morar no futuro. Mas estou me sentindo muito bem aqui no Rio, até porque são duas cidades parecidas. O clima, as pessoas, a gente brinca que Florianópolis é um mini Rio.
Mas tem alguma diferença que você tenha sentido de cara?
O Rio é muito maior, né, e logo depois das Olimpíadas você tem a mídia muito mais em cima. Fora da quadra também. São coisas que eu já estou ligado. Você botou o pé na rua... e isso porque eu não sou artista nem nada, sou só um atleta, mas é uma coisa que vou ter que me acostumar de alguma maneira.
Você fala isso por causa da nota do jornal Extra (na coluna Retratos da Vida) de que você e a atriz Débora Nascimento (que interpreta Tessália na novela Avenida Brasil) teriam saído juntos?
Não tem nada, eu nem conheço a menina! Nem gosto de ficar falando isso... Não foi a primeira vez que saiu algo depois de eu ter feito uma crítica ou comentário (ele elogiou a atriz no twitter). Você tem que tomar muito cuidado com o que fala. Tudo toma uma proporção muito maior do que deve ter. Eu não entendi essa coisa de ser meio celebridade porque não me sinto assim. É lógico que por ser da seleção brasileira você se torna uma certa referência, um exemplo, principalmente para os mais jovens, mas eu sou um atleta. Meu trabalho é esse, tenho uma vida normal, mas vou ter que me policiar e me acostumar com isso.
11. Agora falando de Olimpíadas... A imagem de você chorando e sendo amparado pelo Giba no pódio foi muito forte. Aquela derrota para a Rússia foi tão difícil assim?
Acho que, pela maneira que foi, ela se tornou ainda mais dolorosa. Não tem um dia ainda que eu vá dormir ou acorde sem pensar naquele jogo, no ponto que faltou para a medalha de ouro. Era o título que faltava para essa nova geração, jogadores como eu, Murilo, Lucas, Sidão. E não só nós, mas os jogadores que estão parando, o Giba, o Serginho. Eles mereciam essa medalha para encerrar com chave de ouro tudo que eles construíram durante todos esses anos. Então, a pressão era muito grande. A gente carregava uma coisa muito forte nas costas, então, naquele momento foi um pouco disso tudo, uma mistura de sentimentos. É uma coisa que vai ficar durante um tempo, mas o atleta tem que saber conviver com isso. Nossa vida é feita de um dia após o outro.
Você é jogador profissional há nove anos e está na seleção há seis. Não bate um cansaço às vezes, uma vontade de deixar para lá?
Como qualquer pessoa. Às vezes você acorda meio cansado, sem disposição, mas você tem que aprender a lidar com isso. O seu trabalho é esse, você é pago para isso, e tem que dar um jeito de tirar as forças que não tem naquele dia. Graças a Deus, meus dias assim são pouquíssimos. Eu sou um cara que amo o que faço. O pessoal até brinca que eu sou meio maluco por vôlei, que estudo muito, gosto de ficar vendo jogo, mas a minha vida é essa. Então, eu procuro a cada dia me motivar de alguma maneira. O atleta tem que ser meio camaleão, tem que ir se adaptando a certas situações.
Ser meio maluco por vôlei, estudar, ver muitos jogos, é influência do seu pai?
Acho que sim. Mas não porque ele colocou isso em mim, é uma coisa de sangue mesmo. Mas acho que nem sou tanto igual a ele, eu sou menos. Eu puxei esse lado dele de ser perfeccionista. Não tem jeito, a genética explica.
Você sabe o que puxou da sua mãe?
As pessoas não conseguem imaginar (que Bernardinho seja calmo), muita gente fala “não, é mentira, você deve tomar bronca em casa”, mas meu pai é um cara tranquilo, família. Só que a minha mãe é ainda mais tranquila. Se ela tem que esquecer um pouco, viajar num fim de semana, ir para uma praia, ela vai. Meu pai fica um pouco mais tenso. Ele está viajando de férias, mas já falou “pô, tô precisando trabalhar já”. E nisso eu busquei o lado dela. Eu consigo me desligar um pouco em certos momentos, que é importante para poder voltar com aquela fome de treinar, de trabalhar.
Você acha que seria possível você fazer outra coisa na vida que não jogar vôlei?
Eu já pensei nisso e não me vejo fazendo outra coisa. Durante uma boa parte da minha adolescência eu fiz uma série de esportes, basquete, badminton, futebol, mas sabia, no fundo, que o meu talento nato era mesmo para o vôlei. Então, não tive como fugir. E em nenhum momento pensei nas dificuldades que isso iria me causar, no ônus dessa escolha. Eu tinha muito orgulho da carreira do meu pai e da minha mãe e vontade de fazer a mesma coisa que eles fizeram.
Você acha que o ônus dessa escolha é pesado? Logo após a perda do ouro nas Olimpíadas, Bernardinho disse que talvez fosse melhor para você se ele saísse da seleção...
Já foi um pouco mais. Existe ainda, mas faz parte. Acho que com o tempo as pessoas também pararam de falar “ah, está lá só porque é filho dele”. O tempo, o trabalho, as conquistas vão mostrando como são as coisas. Seria mais fácil se meu pai saísse da seleção? Para mim, sinceramente, seria. Será que eu seria convocado para a seleção com outro técnico ? Eu acho que estaria no rol dos três levantadores da seleção, que estaria nessa briga com qualquer treinador. A gente tem muitos bons levantadores, como Ricardinho, Marlon, William, o Rafa que joga fora do Brasil, mas todos têm mais de 30 anos. Eu, por ser o mais jovem, acho que levaria vantagem. Mas como questionar o trabalho de um cara que está há tanto tempo na seleção brasileira, que conquistou tudo que conquistou? Ele deve ficar porque é o mais competente ainda pra isso. Ele fez o voleibol masculino brasileiro ser o melhor do mundo.
E a relação de vocês? Bernardinho também falou que a convivência na seleção atrapalhava a vida de vocês fora dela.
Acho que ele falou o que estava sentindo na hora. É complicado, ele sofre muita pressão, uma pressão interna também. Ele não demonstra, mas sente muito essas coisas. Ele é o técnico, eu sou jogador. Ele é meu pai fora. Faz parte. Nossa relação de pai e filho sempre foi muito boa e hoje nossa relação é muito boa dentro da quadra também. No início da seleção, ele me cobrava muito e eu não sabia como reagir. Em certos momentos, não que eu levasse para casa, mas eu dizia “ah, não tô a fim de ir pro Rio, vou pra outro lugar”. Então, no início, isso foi meio conturbado, mas porque eu não entendia muito bem o motivo de ele me cobrar tanto, mais do que os outros. Hoje eu entendo que ele cobra muito dos mais jovens que estão chegando.
E a volta de Ricardinho à seleção? Como foi para o grupo e para você?
Desde 2010, eles estavam tentando voltar a se falar. Eu achei muito louvável das duas partes. Brigas acontecem, ainda mais em grupos muito tempo juntos, e acho que esquecer o passado, colocar uma pedra em cima e voltar foi um passo muito bacana que ambas as partes deram. Era importante para os dois lados. Com a volta dele, eu tentei sugar tudo que podia. Ele é um cara que já foi campeão olímpico, mundial, que tem muito mais bagagem do que eu... então, procurei ouvi-lo, ver as coisas que ele fazia. Eu me preparei para isso e ele me ajudou muito. Hoje, acho que estou muito mais preparado para qualquer situação na seleção.
Você segue uma linhagem de grandes levantadores, começando por William, Maurício, Ricardinho. Onde você se enquadra nesse grupo?
Acho que estou bem atrás e, para mim, eles estão num pedestal. O William eu vi jogar pouco, então, não posso nem falar muito sobre ele. O Maurício era um cara extremamente habilidoso, com a mão bem maior do que a minha, então a bola de vôlei parecia de tênis na mão dele. Ele fazia o que queria, foi um cara que revolucionou, que mudou a maneira de o levantador ser. O Ricardinho veio depois reinventando o voleibol brasileiro, com aquela velocidade que ele começou a imprimir. Então, foram levantadores que mudaram o esporte. Eu já vim numa linhagem de jogadores mais atléticos, mais bem dotados fisicamente. Tenho os fundamentos, saque, bloqueio, defesa, um pouco mais regulares do que eles, mas eles tinham mais habilidade. Eu sei que isso vem com o tempo, mas ainda não me comparo a eles.
Saindo um pouco do vôlei... você gosta de música? De livros?
Adoro música. Só não gosto de heavy metal. Gosto de pop, MPB, sertanejo. O funk, gosto dos mais antigos aqui do Rio, da minha adolescência. E leio muito também. Acabei de ler “Os sobreviventes”, sobre dois irmãos na guerra do Iraque. Eu gosto de ler muito sobre esportes, sobre atletas, até porque é a minha vida. Li o livro do Agassi, do Michael Phelps, alguns do Michael Jordan ... mas o que mais gostei foi o livro do Nadal. Ele expõe suas emoções durante a partida e você se sente dentro da quadra.Eu comprei a do Nalbert também, mas esqueci em Campinas. A biografia do Tim Maia foi sensacional.
Você sabe cozinhar?
Nada. Ovo mexido e olhe lá. Acho que quando eu for casar vou ter que arrumar uma mulher que cozinhe ou ter muito dinheiro para contratar uma cozinheira. Até faço um macarrão, mas não tenho paciência. Eu acho muito legal pessoas que cozinham. Às vezes jogadores chamam para jantar na casa deles e o cara faz alguma coisa e eu falo “pô, que legal, gostaria de ter esse dom”. Mas não é minha praia, eu sou meio estabanado.
E sua relação com o Botafogo?
Já fui muito fanático, mas com o tempo isso foi diminuindo. Eu pensava “já sofro dentro da quadra, ainda vou sofrer fora?” Quando era moleque, eu chorava; no campeonato brasileiro de 1995, fiz o símbolo na cabeça, coisa de torcedor fanático mesmo. Eu perdi um pouco esse fanatismo, mas continuo vendo. Não tive oportunidade de ir ao Engenhão ainda, mas quero ir. O time está bem, o grupo está se unindo, o Seedorf é um cara sensacional para o grupo, então está muito bacana. Espero ir ao Engenhão logo, logo. Espero que eu dê sorte
Como todo botafoguense, você deve ser supersticioso...
Muitas, entro com o pé direito na quadra. Às vezes, quando cismo com uma coisa em um campeonato tenho que ir até o fim com ela. Nas Olimpíadas tinha, não lembro, mas na Liga Mundial de 2009, em Belgrado, eu cismei que tinha que ver dois número pares toda vez que olhasse para o placar eletrônico. E fiquei os cinco jogos da fase final com essa loucura! Achava que se eu não visse os números pares a gente não ia conseguir o ponto. E deu certo, a gente foi campeão. E o Nadal fala no livro dele que ele tem também, e acho que isso faz parte, é do atleta. Às vezes você se prende a algumas coisas e, sei lá, você se sente mais forte. Não é uma carreira muito normal, não. O cara tem que ser meio doido para ser atleta.


Fonte: Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/esportes/nao-tem-um-dia-ainda-que-eu-va-dormir-sem-pensar-naquele-jogo-6100005#ixzz272HrkP5g 
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